A Chegada do Islão à China | PT-PT

 

O Islão entrou em território chinês mais por fins de comércio do que pela espada. Os Muçulmanos que alcançaram a China durante o período Tang (618-906 d.c) e Song (960-1279 d.c) eram, de facto, mais ligados ao comércio intercultural ao longo da zona leste do Mediterrâneo, da Ásia Ocidental, e da China. Devemos, contudo, considerar que alguns eram emissários políticos e religiosos. Não é portanto surpreendente que um dos primeiros e mais precisos registos de como o dinheiro foi emprestado e recebido na China tenha sido escrito pelo comerciante Árabe Sulaiman Al-Tajir59 em 851.60 

Quer fossem mercadores ou emissários, os Muçulmanos viajaram até a China por via marítima ao longo da Rota das especiarias, e por terra ao longo da Rota da Seda, as rotas de troca que estabeleciam a ligação da China com a parte leste do mediterrâneo e da Ásia Ocidental desde pelo menos o inicio da Era Cristã. 

Durante a dinastia Tang, os Muçulmanos por via marítima chegaram à China através do mar vermelho e do golfo Persa ao navegarem pela costa sul da Índia, a baia de Bengal, o mar sul da China, e, finalmente, a costa Chinesa. Os comerciantes de Dashi e Bosi61 estabeleceram as suas bases num número de portos chineses costeiros como Guangzhou, Quanzhou, e Zhangzhou. A cidade continental de Yangzhou, estrategicamente situada na intersecção do rio Yangzi com o grande canal, possuía também u número notável de pessoas oriundas de Dashi e Bosi. 

No período Tang a rota da seda era usada por mercadores muçulmanos e emissários de Dashi e Bosi para chegarem à capital, Chang’an62, uma metrópole sofisticada e cosmopolita. Mercadores que permaneciam em Chang’an proferiam não só o Islão mas também o zoroastrismo, Maniqueísmo, Cristianismo Nestoriano e o Judaísmo. As suas crenças religiosas refletiam as muitas tradições religiosas que caracterizavam a rota da seda antes da islamização da Ásia Central.63 

O comércio intercultural ao longo da rota da Seda foi, contudo, altamente interrompido pela guerra endêmica depois de meados do período Tang. O comércio marítimo também sofreu perto do fim da dinastia como resultado de um massacre brutal a mercadores estrangeiros comandado pelo rebelde Huang Chao 64 na cidade de Guangzhou em 878. Condições de comércio aumentaram, significativamente, depois da queda dos Tang e especialmente durante a dinastia Song (960-1279), um período caracterizado por uma revolução comercial, urbanização crescente, e desenvolvimento das artes. 65 

No sul da China, governada pelos Song até 1279, o comércio internacional cresceu ao longo das áreas costeiras. Por volta do século XIII, o porto de Quanzhou, um importante empório de comércio internacional, acolheu mercadores de muitas áreas islâmicas como a Mesopotâmia, Meca, Somália, Oman, o Golfo Persa, Almoravide em Espanha e Egipto. Os comerciantes Muçulmanos trouxeram a sua fé e costumes religiosos à cidade e construíram quatro mosques durante os Song. O primeiro, o Mosque Shengyou, foi erguido por volta de 1009-1010 e foi renomeado erroneamente como Qingjing quando o reconstruíram no século XIV. Os Chineses atualmente afirmam que este mosque deve ser visionado como o quarto mais importante mosque do Islão. 66 

Em clara instância, os Muçulmanos que chegaram à China durante as dinastias Tang e Song eram na sua maioria mercadores capazes de arriscar as vidas e viajar longas distâncias para ganharem o seu dinheiro em trocas interculturais. Uma vez que chegaram à China, as suas atividades de troca estavam sujeitas a regulações complexas e eram frequentemente distinguidas como tributos oficiais. Ao mesmo tempo, as autoridades chinesas não interferiram em assuntos religiosos e, como resultado, os Muçulmanos passaram não só a ter permissão para praticar a sua religião mas também para serem julgados pelos seus próprios juízes. Mais importante, as primeiras ondas de mercadores Muçulmanos eram na sua maioria peregrinos, que não se aculturaram ou integraram fortemente na sociedade Chinesa e como tal permaneceram na China por períodos limitados. Tem sido implícito, contudo, que durante os Song do sul67, alguns Muçulmanos escolheram a China como a sua casa permanente casando-se com locais. 68

59 Mercador muçulmano, assim como um viajante e escritor oriundo de Siraf no atual Irão. Que em 850 d.c viajou para a India e a China tendo registado todos os detalhes das suas viagens. 

60 BETTA, Chiara, “ The Other Middle Kingdom: A Brief History of Muslims in China”, Asian Studies Series ed. 2, University Press, 2004. 

61 Termos normalmente relacionados com a Arábia e Pérsia mas que na verdade se referem a áreas geográficas mais alargadas. 

62 Atual Xian na China e local de encontro das várias “Rotas da Seda”.

63 BETTA, Chiara, “ The Other Middle Kingdom: A Brief History of Muslims in China”, Asian Studies Series ed. 2, University Press, 2004. 

64 Huang Chao foi um soldado rebelde, mais conhecido pela sua posição de liderança de uma grande revolta que enfraqueceu severamente a dinastia Tang. 

65 BETTA, Chiara, “ The Other Middle Kingdom: A Brief History of Muslims in China”, Asian Studies Series ed. 2, University Press, 2004. 

66 BETTA, Chiara, “ The Other Middle Kingdom: A Brief History of Muslims in China”, Asian Studies Series ed. 2, University Press, 2004.

67 A dinastia Song encontra-se dividida em dois períodos distintos: Os Song do Norte e os Song do Sul. Os Song do Sul referem-se a um período após a perda de controlo por parte dos Song da zona norte para os Jurchen liderados pelos Jin nas guerras Jin-Song. Nesta altura, a corte Song recuou para o sul do Yangzi e estabeleceu a capital em Lin’an, a atual Hangzhou. 

68 BETTA, Chiara, “ The Other Middle Kingdom: A Brief History of Muslims in China”, Asian Studies Series ed. 2, University Press, 2004.

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